sexta-feira, 7 de junho de 2002

INCRÍVEL




I am linus

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Anti-tabagista

Estava só. No apartamento do primeiro andar. Lia - sobre Kafka. A dada altura, quando seu pensamento já se descolava das páginas e, em pensamento, travava grandes diálogos teóricos, por hábito (pois tinha o hábito este de, quando pensava, andar pelo apartamento, sem rumo ), chegou-se à janela. Viu. Não pretendia. Mas viu. Apenas. O vizinho – que ele sempre recriminava por insistir em fumar na janela, na vã esperança de que os pais nada desconfiassem – comprava maconha. Sentou-se. Voltou a ler.

Mas, a cabeça ainda lhe doía. Já havia lhe doido o dia todo como prenúncio de uma nascente enxaqueca, ou como resultado de sua ansiedade – ele detestava essa ansiedade de causa desconhecida que lhe assaltara parte do humor. Ou por ambos.

Lembrou-se. No armário. Uma caixa de cigarrilhas. Sem maiores moralismos, acendeu uma. Fumou.

Pensava – agora já reclinado em sua cadeira, com o livro e seus assuntos já esquecidos. Como era possível alguém aliviar a tensão fumando? Coisa horrível aquela! Ardeu-lhe a boca. Fedeu-lhe o cabelo.

Com ares de autonomia, soltava baforadas pela boca – mesmo porque, havia engolido fumaça em suas tentativas de tragar.Desistiu. Apagou a cigarrilha. Jogou-a fora.

A casa toda já cheirava mal. Ele cheirava mal. Mas, pelo menos era cigarrilha, que não lhe dava alergia, e ainda tinha uma leve nota agradável no cheiro.

Seus irmãos estavam por chegar. A casa fedia. Acendeu um incenso – artifício inútil que criticava em todo maconheiro (com o perdão da palavra). Novamente andando pela casa, como se estivesse a filosofar, pensou justificativas para aquele fedor.

- Fumei mesmo, e o que tem isso? – assim teria que arcar com as repreensões.

- Esse cheiro? Foi a simpatia que fiz (simpatia de segurar namorado) – mas ali não havia sapos... e muito menos se usa costurar uma cigarrilha na boca de um sapo! Quanto mais numa casa de ecologistas e anti-tabagistas.

- Colocaram fogo no lote! – talvez a alternativa mais verossímil para seus irmãos.

Para o amargo da boca, tomou xarope de mel, guaco e própolis.Tomou de novo – esse xarope é gostoso mesmo, né? Tomou mais ainda. Não adiantou. A boca amargava. O cabelo fedia. Sua roupa cheirava mal. O estômago cheio de fumaça.

Sentou-se. Pôs-se a escrever. Pensou: como alguém pode relaxar fumando?

Misteriosamente, sua cabeça parou de doer.


E nem é preciso dizer que esse escrito idiota – sem estilo, sem porquê e sem noção – foi nascido da incapacidade da confissão direta e objetiva dos fatos. É autobiográfico. E o autor continua anti-tabagista.