domingo, 29 de dezembro de 2002

Artes Liberais


não sou prático,
canudo tenho.
acadêmico,
meu bisturi
exato não mostra
o pulso do
vivo
coração.



Já que o assunto me cerca, e inútil é tentar fugir, vamos direto a ele... É fim de ano. Época de saldos e balanços. Até aí, tudo bem. Pois, e o ditado como é? Festa acabada músicos a pé.


Feliz Natal e

que em 2003 o sucesso te acompanhe

em todas

as seleções, pesquisas, qualificações, dissertações, teses, bancas, defesas,

e em todos

os trabalhos, papers, contatos, congressos, seminários, etc.


Este foi uma muito simpático e sarcástico e-mail que recebi. Neurei. Será que a vida vai acabar em mestrado. Pizza seria melhor. Monstrei. O pior é o sentimento de que todo este trabalho talvez seja vão. Alguém pode fazê-lo melhor. Ou não fazê-lo. Afinal, a quem isso interessa? A mim. E isto só já basta como justificativa... mas eu quero mais. Quero (e me esforço para) que outros também se interessem. Há quem tenha gostado do meu trabalho. Ou de fragmentos dele. E isto me ajuda prosseguir. Que tudo dê certo, e a dissertação seja um tesão. Quanto ao monstrado, fica o protesto - sob a forma do texto abaixo, que a Miriam me mandou. As coisas não precisam ser assim... vivas à dissertação-tesão, e à minha próxima libertação!


UMA TESE É UMA TESE


Sabe tese, de faculdade? Aquela que defendem? Com unhas e dentes? É dessa tese que eu estou falando. Você deve conhecer pelo menos uma pessoa que já defendeu uma tese. Ou esteja defendendo. Sim, uma tese é defendida. Ela é feita para ser atacada pela banca, que são aquelas pessoas que gostam de botar banca.
As teses são todas maravilhosas. Em tese. Você acompanha uma pessoa meses, anos, séculos, defendendo uma tese. Palpitantes assuntos. Tem tese que não acaba nunca, que acompanha o elemento para a velhice. Tem até teses pós-morte. O mais interessante na tese é que, quando nos contam, são maravilhosas, intrigantes. A gente fica curiosa, acompanha o sofrimento do autor, anos a fio. Aí ele publica, te dá uma cópia e é sempre – sempre – uma decepção.
Em tese. Impossível ler uma tese de cabo a rabo. São chatíssimas. É uma pena que as teses sejam escritas apenas para o julgamento da banca circunspecta, sisuda e compenetrada em si mesma. E nós? Sim, porque os assuntos, já disse, são maravilhosos, cativantes, as pessoas são inteligentíssimas. Temas do arco-da-velha. Mas toda tese fica no rodapé da história. Pra que tanto sic e tanto apud? Sic me lembra o Pasquim e apud não parece candidato do PFL para vereador? Apud Neto. Escrever uma tese é quase um voto de pobreza que a pessoa se autodecreta. O mundo pára, o dinheiro entra apertado, os filhos são abandonados, o marido que se vire. Estou acabando a tese. Essa frase significa que a pessoa vai sair do mundo. Não por alguns dias, mas anos. Tem gente que nunca mais volta.
E, depois de terminada a tese, tem a revisão da tese, depois tem a defesa da tese. E, depois da defesa, tem a publicação. E, é claro, intelectual que se preze, logo em seguida embarca noutra tese. São os profissionais, em tese. O pior é quando convidam a gente para assistir à defesa. Meu Deus, que sono.
Não em tese, na prática mesmo. Orientados e orientandos (que nomes atuais!) são unânimes em afirmar que toda tese tem de ser - tem de ser! - daquele jeito. É pra não entender, mesmo. Tem de ser formatada assim. Que na Sorbonne é assim, que em Coimbra também. Na Sorbonne, desde 1257. Em Coimbra, mais moderna, desde 1290.
Em tese (e na prática) são 700 anos de muita tese e pouca prática. Acho que, nas teses, tinha de ter uma norma em que, além da tese, o elemento teria de fazer também uma tesão (tese grande). Ou seja, uma versão para nós, pobres teóricos ignorantes que não votamos no Apud Neto. Ou seja, o elemento (ou a elementa) passa a vida a estudar um assunto que nos interessa e nada. Pra quê? Pra virar mestre, doutor? E daí? Se ele estudou tanto aquilo, acho impossível que ele não queira que a gente saiba a que conclusões chegou. Mas jamais saberemos onde fica o bicho da goiaba quando não é tempo de goiaba. No bolso do Apud Neto? Tem gente que vai para os Estados Unidos, para a Europa, para terminar a tese. Vão lá nas fontes. Descobrem maravilhas. E a gente não fica sabendo de nada. Só aqueles sisudos da banca. E o cara dá logo um dez com louvor.
Louvor para quem? Que exaltação, que encômio é isso? E tem mais: as bolsas para os que defendem as teses são uma pobreza. Tem viagens, compra de livros caros, horas na Internet da vida, separações, pensão para os filhos que a mulher levou embora. É, defender uma tese é mesmo um voto de pobreza, já diria São Francisco de Assis. Em tese.
Tenho um casal de amigos que há uns dez anos prepara suas teses. Cada um, uma. Dia desses a filha, de 10 anos, no café da manhã, ameaçou: – Não vou mais estudar! Não vou mais na escola. Os dois pararam – momentaneamente – de pensar nas teses. – O quê? Pirou?
– Quero estudar mais, não. Olha vocês dois. Não fazem mais nada na vida. É só a tese, a tese, a tese. Não pode comprar bicicleta por causa da tese. A gente não pode ir para a praia por causa da tese. Tudo é pra quando acabar a tese. Até trocar o pano do sofá. Se eu estudar vou acabar numa tese. Quero estudar mais, não. Não me deixam nem mexer mais no computador. Vocês acham mesmo que eu vou deletar a tese de vocês? Pensando bem, até que não é uma má idéia!
Quando é que alguém vai ter a prática idéia de escrever uma tese sobre a tese? Ou uma outra sobre a vida nos rodapés da história? Acho que seria um tesão.

(Mario Prata - crônica publicada no jornal O Estado de São Paulo, 7 de outubro de 1998)


No mais, estou



Exausto

Eu quero uma licença de dormir,
perdão para descansar horas a fio,
sem ao menos sonhar
a leve palha de um pequeno sonho.
Quero o que antes da vida
foi o profundo sono das espécies,
a graça de um estado.
Semente.
Muito mais que raízes.

(Adélia Prado - Bagagem)


Muito antes de Sérgio Buarque,
muito além da Holanda...

Até mais!

Não sei porque... mas essa canção me lembra o Schroeder.

O que você achar Marcie?


A MULHER BARBADA


Com o que será que sonha
A mulher barbada?
Será que no sonho ela salta
Como a trapezista?
Será que sonhando se arrisca
Como o domador?
Vai ver ela só tira a máscara
Como o palhaço

O que será que tem
O que será que hein?
O que será que tem a perder
A mulher barbada?

(Adriana Calcanhotto - interpretada com Los Hermanos)



Schroeder
recebendo aplausos

Se não levado à sério, este psicossodomita até que tem uma tiradas legais.
Juro que tive a idéia antes!



Mas eles têm o crédito de executar primeiro, e melhor:

DANCEMOS
UM TANGO FELIZ

O que deu em mim??

Deixemos espírito de Papai Noel entrar em nós,

e mudemos de assunto:

Meus amigos

e demais desconhecidos



Feliz Natal e um Ótimo 2003!!


(voz em off) - Melhorou?


ELEGIA 1938

Trabalhas sem alegria para um mundo caduco,
onde as formas e as ações não encerram nenhum exemplo.
Praticas laboriosamente os gestos universais,
sentes calor e frio, falta de dinheiro, fome e desejo sexual.

Heróis enchem os parques da cidade em que te arrastas,
e preconizam a virtude, a renúncia, o sangue-frio, e concepção.
À noite, se neblina, abrem guarda-chuvas de bronze
ou se recolhem aos volumes de sinistras bibliotecas.

Amas a noite pelo poder de aniquilamento que encerra
e sabes que, dormindo, os problemas te dispensam de morrer.
Mas o terrível despertar prova a existência da Grande Máquina
e te repõe, pequenino, em face de indecifráveis palmeiras.

Caminhas entre mortos e com eles conversas
sobre coisas do tempo futuro e negócios do espírito.
A literatura estragou tuas melhores horas de amor.
Ao telefone perdeste muito, muitíssimo tempo de semear.

Coração orgulhoso, tens pressa de confessar a tua derrota
e adiar para outro século a felicidade coletiva.
Aceitas a chuva, a guerra, o desemprego e a injusta distribuição
porque não podes, sozinho, dinamitar a ilha de Manhattan.


(Carlos Drummond de Andrade - Sentimento do mundo)
A liberdade do diálogo está-se perdendo. [...] ela é agora substituída pela pergunta sobre o preço dos sapatos ou de seu guarda-chuva. [...] É como se se estivesse aprisionado em um teatro e se fosse obrigado a seguir peça que está no palco, queira-se ou não, obrigado a fazer dela sempre de novo, queira-se ou não, objeto do pensamento e da fala”: (Walter Benjamin)


É isto o que me espanta! Perdemos a capacidade de nos comunicar. É isto que faz das filas costumazes do fim-de-ano insuportáveis. Ficamos lá, parados, humanos atrás de humanos, à espera, como bois, do fim registrado no nosso abate pela moça do caixa. E, como bois, ruminamos o capim de nossas próprias cismas. Ficamos ali, alheios, a cismar. E, se a alguém escapa uma palavra, e esta palavra a nós se dirige, pensamos: Que saco!; ou Humm! Pois consideramos, e muitas das vezes constatamos, que tal palavra ou era da raça inquieta das ponderações mau-humoradas e das reclamações pontuadas, ou era da estirpe de um flerte. Estranhamos mesmo é quando a dita palavra assume a forma de um comentário, casual, que se esboça para dar início a uma amistosa conversa. Jogar conversa fora! ... para passar o tempo. – diria-se antigamente. Perda de tempo! – bufamos hoje. Ser amistoso, companheiro, simpático, é vergonhoso. Já foi condição de vida, quando a vida ainda se prendia e se fazia ao largo da convivência e interdependência comunitária. Já foi vergonhoso, quando os malandros de outrora diziam ser independentes e astutos o suficiente para viver sem depender de ninguém, mesmo quando viviam às custas daquele bom e velho amigo, ou de um desavisado “cliente”. Mas nunca tanto desprezo foi destinado a estas palavras como hoje - a era da comunicação. Acostumamo-nos a este ritual cênico da mínima palavra, a esta etiqueta social (a etiqueta do preço), sem a questionar. O rádio e a televisão já uniram pessoas – mesmo que tal união resultasse apenas em comentários – e que entusiásticos e plenos de vida e certezas eram – sobre a novela e o jogo de futebol. E, mesmo assim, a tv e o rádio continuam alvo da crítica apocalíptica que neles vê apenas a desagregação dos valores e das famílias. E a internet, essa grande praia onde muitos se banham e surfam sem nunca se ver? Esta pretendia aproximar as pessoas, educá-las, informá-las: a maior, mais rápida e mais eficaz rede de comunicações. O resultado: o nascimento da era da maior solidão, do mais profundo isolamento, da tele-pizza e do amor eletrônico. O problema, dizem, é que tal comunicação não é interpessoal, mas somente entre máquinas se faz. Balela! O problema não está nos meios de comunicação – embora muitas de suas empresas nos alimentem do desejo de jogar tal boliche solitário -, ou nos aparatos eletrônicos que des-facilitam a vida moderna. O problema, e a solução, somos nós! Nós é que escolhemos como agir; se nos deixamos levar o não. Nós é que decidimos se, por virtude ou ideologia, podemos ou não mudar nossos atos. Foi pensando nisso que comecei a escrever este blog, tentando alcançar um misto da expressão de minhas mais pessoais angústias com divagações sobre assuntos de interesse coletivo. E, para minha surpresa, eu não era um único ser que, perdido na rede, lançava sinais ao espaço em busca de vida. Neste fim de ano, quando o trabalho me esgotava, e as festas pouco me reconfortavam com a esperança de renovação, fui resgatado por mensagens de saudades, apoio e consideração enviadas por aqueles virtuosos amigos – alguns virtuais até – que criei e que mantive através desta página. Obrigado! E feliz ano novo...

PS: Este texto baixou em mim hoje e, mesmo que a isto não visasse, tem o sabor piegas das mensagens de fim de ano. Desculpem-me, mas foi inevitável...

quarta-feira, 11 de dezembro de 2002

Lista de AMIGO OCULTO


. Schroeder (Rodrigo MQ) - Cd Paratodos ou Quando o carnaval chegar, ou aquele que tem Pelas Tabelas, ou o Volume 4 do Chico.

. Roddsch - Palhetas do vidro dianteiro do Corsa 2000. Obs: se estiver dentro do preço estipulado.

. Ptk - CD-Pirata (Camelô do Centro) - FIFA 2000 (computador). Livro de bolso de poesias (M. Bandeira, Quintana, Drummond...) Livro de poesias do Arnaldo Antunes.

. Créia - Cd dos Tribalistas ou Arnaldo Antunes (mais antigo).

. Juh-Lai Lama - O que meu amigo oculto achar que eu vou gostar.

. René Boli - Sou a favor da lista; porque, com ela, podemos saber o que quer quem a gente pouco conhece. Pois bem. O problema é que a gente nunca sabe o que quer, ou melhor, o que pode colocar na lista. Eu, por exemplo, gostaria imensamente de ganhar uma viagem para a Espanha (acompanhado, é claro! - da Regina, diz a própria)... mas como não dá, fico mesmo com o catálogo da exposição de Eckhout (que só está à venda em Brasilia). Mas, algo factível, não sei... talvez o Chico, que é sempre bom. O problema é que tenho quase tudo. Só não tenho o Francisco (que tem Sambando no Toró), ou o Chico Buarque Volume I, ou ainda Quando o Carnaval Chegar - que a gente sempre encomenda, e nunca chega, nem no carnaval. Pode ser ainda os Saltimbancos (mesmo os trapalhões), ou a Arca de Noé (um ou doi, tanto faz). Um bom lugar para pesquisa é na Discomania, R. Paraiba 1378 ou R. Sergipe Tem também a Cecília, de Meireles, aquele livro de tradução de poemas chineses, que é lindo. No mais, não sei. Gosto de poetas. Drummond, Ana Cristina César, editado pela FUNARTE, que tá R$ 5,00 na Travessa, também vale. Bom, pra me dar presente basta ter bom senso e sensibilidade, um pouco de amizade também. Feliz Natal!

. Regina - Primeiramente, quero concordar com René pois considero fundamental o esclarecimento, por mais reduzido que seja - do tipo apenas uma dica - do que querem nossos amigos. Em segundo lugar, gostaria de sugerir a quem saiu comigo que gostaria de ganhar uma camiseta indiana de malha de algodão, que vende na Feira de Artesanato da Av. Afonso Pena. Meu tamanho é MÉDIO e o motivo que eu prefiro é o de estamparia miudinha.

. Marcie, vulgo Puliça - Livros e Cds sao sempre bons presentes, se for o Cd Tribalistas ou um livro da Fernanda Young são mais bons ainda!

. Carol - Calcinha M. Pra ficar mais folgadinha, que as minhas apertam. Tiara, arco, coisas de cabelo. Brinco dependurado. Literatura.
Juli, Lindus, Marcie, Mannu, e todos que reclamam por atualizações no meu blog, muito obrigado pelo incentivo! Apenas não tenho postado nada porque com o volume de trabalho que estou tendo não me sobra muito ânimo. Logo logo postarei. Beijos.

quarta-feira, 30 de outubro de 2002


O BRINQUEDO DO POBRE


Quero dar a idéia de uma distração inocente. Há tão poucos divertimentos que não sejam criminosos!

Quando sairdes, de manhã, com a firme intenção de vagabundear pelas estradas, enchei os bolsos de pequeninas invenções de um soldo e, pelas tavernas, ao pé das árvores, presenteai os meninos desconhecidos e pobres que fordes encontrando. Então vereis como lhes crescem desmesuradamente os olhos. A princípio, não ousarão tocar no presente; duvidarão da própria felicidade. Depois, suas mãos agarrarão vivamente o brinquedo e eles fugirão, como fazem os gatos, que, tendo aprendido a desconfiar do homem, vão comer longe de nós o bocado que lhes damos.

Numa estrada, por trás das grades de um vasto jardim, ao fundo do qual surgia a brancura de um lindo castelo batido de sol, via-se uma criança fresca e bela, vestida de uma dessas roupas de campo, tão garridas.

O luxo, a ociosidade e o espetáculo habitual da riqueza tornam esses meninos tão belos que nos parece terem sido feitos de outra massa que não a dos filhos da mediania ou da pobreza.

Ao lado dela, jazia sobre a relva um brinquedo esplêndido, tão novo quanto o seu dono, envernizado, dourado, com um traje cor de púrpura, e coberto com plumas e vidrilhos. O pequeno, porém, não se ocupava com o seu brinco favorito, e eis o que ele observava:

Do outro lado da grade, na estrada, entre os cardos e as urtigas, havia outro menino, sujo, raquítico, tisnado, um desses garotos-párias em quem um olho imparcial descobriria a beleza, se o limpasse da repugnante pátina da miséria.

Através daquelas vergas simbólicas que separavam dois mundos, a estrada real e o castelo, o menino pobre mostrava o seu brinquedo ao menino rico, e este que o pequeno porcalhão atraía com afagos, agitava e sacudia, numa espécie de gaiola, era um rato vivo! Os pais, decerto por economia, haviam tirado o brinquedo da própria vida. E as duas crianças riam uma para a outra, fraternalmente, com dentes de uma brancura igual.

(Charles Baudelaire - O spleen de Paris)
Essa imagem me lembra a Maria Luiza...



... e o tanto feliz que estou,

pareço até menino pequeno!



(Milton Nascimento - retrato por Juan Esteves)


Quando adolescente, tinha para mim que Milton Nascimento era um dos maiores intérpretes da música brasileira, e uma das mais belas e bem trabalhadas vozes que existiam. Contudo, eu não o ouvia – não aceitava seu repertório. Na verdade, eu me esforçava em não gostar de suas músicas, ou de qualquer música de seus companheiros de esquina: adolescente que era , achava importante afastar-me do gosto musical da geração anterior à minha. Por vezes, a recusa a músicas como Caçador de Mim, Coração de Estudante e Nos Bailes da Vida (para ater-me às mais conhecidas) decorria de uma avaliação errônea de meus sentimentos. Soavam-me, aquelas músicas, como frutos que tendiam à mobilização demasiado fácil e imediata das emoções dos ouvintes. E que, para tanto, empregavam símbolos de uma forjada mineiridade. Mas, na verdade, aquelas músicas me emocionavam – e viriam, hoje, a me emocionar mais ainda –; e isso não era aceitável. O problema não estava nas músicas, mas em minha sensibilidade ainda frágil, ainda não impregnada da atmosfera das cidades históricas abarrotadas de estudantes e de sua cultura, dos ares montanhosos, dos festivais de inverno, do barroco. E do gosto por um determinado tipo de música e de teatro que se faz na rua, em meio a pessoas que, de desconhecidas, tornam-se amigos e companheiros, mesmo que por alguns instantes. Um tipo de cultura e um tipo de sentimento e postura que ainda marcam a arte mineira, como a do Grupo Galpão. Amizade e fraternidade (formas distintas de se expressar ao tratamento cordial entre pessoas), sopraram-me, são as chaves para o entendimento da obra do Clube da Esquina. Atuando num momento em que os artistas brasileiros buscavam alternativas para lidar com a censura ou enfrentar o regime militar – a exemplo das canções de protesto –, o Clube, assim como a Bossa Nova, parecia-me um movimento desprovido de conteúdo contestatório, a despeito de sua imensa força de mobilização e encantamento. No entanto, a aparente frugalidade das músicas do Clube era, na verdade, um refinado meio de mobilizar valores sociais importantíssimos para a construção de uma vida pública sadia no Brasil. Amizade e fraternidade, antes que um apelo fácil aos nossos sentidos e sentimentos, eram poderosos instrumentos de mobilização das pessoas em prol da construção de bens comuns. Não por acaso, são estas as forças mobilizadoras que se detona para a construção do cooperativismo e, em escala menor, dos mutirões e campanhas de solidariedade. O Brasil é um país no qual a esfera pública encontra-se sempre por instaurar ou, quando se forma, não se perpetua. Problema este que foi, repetidas vezes, atribuído a uma infiltração desvirtuadora de valores privados na esfera pública. Mas, há que se notar que a construção do público no Brasil, quando ocorre, vem quase sempre impulsionada por valores privados. Fato este que talvez indique não um problema, mas uma especificidade da formação da política e do bem público no Brasil: a sua não independência da esfera privada que, através dos valores e sentimentos que gera, dá forma e vigor à esfera pública . Milton Nascimento e seus companheiros pareciam pressentir aquilo que os cientistas sociais estão a descobrir: ao se chamar à cena a amizade e a fraternidade, mesmo que através da música, é possível mobilizar forças de transformação e gerar um clima de cooperativismo e de ação conjunta. Um clima de irmandade que reapareceu no Brasil quando as pessoas se uniram em torno de um projeto de nação, de um sentimento de esperança e, principalmente, de um ideal, mesmo que inconfesso, de companheirismo. Quem nos últimos dias não recebeu nas ruas um sorriso, um aceno, uma buzinada simpática de um total desconhecido apenas pelo fato de estar usando um broche em forma de estrela? O princípio é o mesmo, mas os meios de sua manifestação são diferentes: antes foi a música, hoje, as urnas. Os tempos não mudaram, foram mudados. E agora podemos expressar, diretamente e sem medo, o que, individualmente e em conjunto, desejamos; ainda que a voz de Milton Nascimento continue sendo a mais bela.

sábado, 26 de outubro de 2002



e do mundo cuidaremos, como cuidamos de nós; pois se o telefone tocar, a boca sorrir, o carro buzinar, o cachorro latir e o beijo estalar, todo som será o eco de um violino azul tocando alegrias



aquí, encontrei esta saída

no meu aniversário, troco dissertações, monstros, selvagens e imagens por muito sushi e saquê
meus amigos, meus parentes, e meu amor
Da ociosidade nasceu o sentido de se contar uma história. Quando o tempo transcorre devagar e o tédio do nada fazer, ou da repetição monótona de um trabalho (que nos ocupa as mãos mas não a mente), faz com que nos esqueçamos de nós mesmos, abrimos nossos sentidos em receptiva atenção. Nesses momentos de distensão , entregamo-nos ao ato de contar e ouvir reais ou fictícias histórias, notícias memoráveis de terras distantes, de feitos únicos, de saberes tradicionais ou de novos conhecimentos. Com tais narrativas nos entretemos; e do prazer de as ouvir, e contar, retemos sua memória, criando uma rede de narradores e ouvintes que as perpetuam pela sua constante transmissão e conservação. Contar histórias sempre foi a arte de contá-las de novo, e ela se perde quando as histórias não são mais conservadas. Para garantir o conhecimento de suas histórias por aqueles que não conheceram as maravilhas de mundos distantes, e logo impedir que desaparecem, Marco Pólo, e outros ilustres viajantes, colocaram no papel, em forma de texto, a matéria de suas memórias. Perpetuou-se, pode-se dizer, uma tradição dos relatos de viagem...

Disso venho me ocupando. Mestrado, mestrado, monstrado... bicho feio, louco para engolir minha cabeça. E cuido de meu Lindus também - o que é muito bom. Por isso faltam-me tempo e criatividade para escrever neste blog. Que puxa... Além do mais, pasmem!, estou no meu inferno astral.

E meu inferno astral é assim: como não dou muita bola pra ele, o pobre ataca quem está à minha volta, criando problemas. E haja bom humor para tratar dos pepinos que se espalham na minha horta. Mas, às vezes, ele me pega na curva, e me joga no chão. Fico chato, e triste. Deprimido mesmo. Sem saber porque.
G.H., Lindus e Ana H. ... cliquem aqui .



linda e competente

sábado, 5 de outubro de 2002

Frida pacifista: com a cabeça em meu mouse, dormiu.
bh, sempre moderna...




(trolleybus, 1902)


...e de memória sem lastro.



(conjunto arquitetônico da pampulha - oscar niemeyer)

só para dizer que o show do gilberto gil, em comemoração ao dia da ecologia (de são francisco, na verdade) e ao projeto de recuperação da lagoa da pampulha, foi emocionante. não só pelo moço, e sua música, mas pelo lugar: a praça são francisco, onde cresci, é um cenário lindo! além disso, belo horizonte é uma das poucas cidades onde podemos ir para a multidão sem receio. foi ótimo, pena que eu estava sem certa companhia.
para frida e lóri:


meia-noite e um


não se preocupe
gatinha borralheira


aquela estória
da carruagem de Cinderela
é uma grande abobrinha



(Romeu Montecchio)


(Cena de Rua - Emiliano Di Cavalcanti - 1931)
Neste momento, está a Frida no meu colo, a ronronar. De tamborim que mia a geladeira velha, quanta manha...

Frida



(Madame Riviere, sobre Ingrés - Melinda Copper)


Lóri



(La Velata, sobre Raphael - Melinda Copper)
É amanhã... eleições e aniversário de namoro!

A gente nem sabe que males se apronta
Fazendo de conta, fingindo esquecer
Que nada renasce antes que se acabe
E o sol que desponta tem que adormecer
De nada adianta ficar-se de fora
A hora do sim é o descuido do não
Sei lá,
Sei lá
Só sei que é preciso paixão
... já diriam Toquinho e Vinicius. E eu aqui, estetizando a política, politizando a estética, para viver um grande amor, em paz!

quarta-feira, 2 de outubro de 2002

HISTÓRIA

Nossa história é assim:
Vamos pras Índias!

Dias e dias os horizontes se repetem
- Olha! Melhor mesmo é buscar vento mais pro fundo

Uma tarde um marujo disse:
- Ué! Que terra é essa?

Velas baixaram E desembarcaram

- Terra como é teu nome?
Cortaram pau Saiu sangue
- Isso é Brasil!

No outro dia
o sol do lado de fora assistiu missa
Terra em que Deus anda de pés no chão!

Outros chegaram depois Outros Mais outros
- Queremos ouro!
A floresta não respondeu

Então
eles marcharam por uma geografia-do-sem-lhe-achar-fim

Rios enigmáticos apontavam o Oeste
A água obediente conduziu o homem

Começou então um Brasil sem-história-certa
A terra acordou-se com o alarido de caça
de animais e de homens

Mato-grande foi cúmplice nas novas plantações de sangue

Mulher foi espremer filho no escondido
E veio o negro
Trouxe o sol na pele
e uma alma de nunca-mais carregada de vozes

Foi desbeiçar terra
Alargaram-se as lavouras
Brasil encheu-se de queixas de monjolo
Sol espalhou verão nos canaviais das fazendas
O mato escondeu escravos
com inscrições de chicote no lombo

Em noite rural
Os bruxos reuniram-se para experimentar forças contra o branco
Deus montou num trovão que se quebrou na floresta
Árvores tinham medo que o céu caísse

Brasil-nenê foi crescendo...

O sol cozinhou o homem
e a geografia determinou os acontecimentos

Um dia
O capitão Pedro Teixeira com 1000 canoas ô ô
entrou águas-arriba no Amazonas
acordando aquela imensidão sem dono

O Brasil embarrigou para o Oeste

(Raul Bopp)

terça-feira, 1 de outubro de 2002

na massa

vai de mon amour
blusa de abajur
óculos escur apaziguando o sol
no domingo a caminho da praça

óculos ray-ban
raio de tupã
no pulso pulseira, no corpo collant
mostra a pele pelo rasgo da calça

pode ser de farda ou fralda
arrastando o véu da cauda
jóia de bijouteria
lantejoula e purpurina
manto de garrafa pet
tatuagem de chiclete
de coroa ou de cocar
pode se misturar

na massa
na massa
na massa
na massa
some na massa

sai de chafariz
bico de verniz
saia de safári sorriso de miss
camiseta de che guevara

plástico metal
árvore de natal
de biquini xale bata ou avental
e uma pinta pintada na cara

pode vir de esporte ou gala
de uniforme com medalha
braço cheio de pacote
nada debaixo do short
transbordando seu decote
gargantilha no cangote

(Arnaldo Antunes/Davi Moraes)


Achei essa música a cara da Créia!
Apontamento

A minha alma partiu-se como um vaso vazio.
Caiu pela escada excessivamente abaixo.
Caiu das mãos da criada descuidada.
Caiu, fez-se em mil pedaços do que havia loiça no vaso.

Asneira? Impossível? Sei lá!
Tenho mais sensações do que tinha quando me sentia eu.
Sou um espalhamento de cacos sobre um capacho por sacudir.

Fiz barulho na queda como um vaso que se partia.
Os deuses que há debruçaram-se do parapeito da escada.
E fitam os cacos que a criada deles fez de mim.

Não se zanguem com ela.
São tolerantes com ela.
O que era eu um vaso vazio?

Olham os cacos absurdamente conscientes,
Mas conscientes de si mesmos, não conscientes deles.

Olham e riem.
Sorriem tolerantes à criada involuntária.

Alastra a grande escadaria atapetada de estrelas.
Um caco brilha, virado do exterior lustroso, entre os astros.
A minha obra? A minha alma principal? A mnha vida?
Um caco.
E os deuses olham-o especialmente, pois não sabem porque ficou ali.

(Álvaro de Campos)

Poema encontrado, hoje, pela visão que tenho, caco que é, de Lindus.
Favela

Meio-dia

O morro coxo cochila
O sol resvala dezagarzinho pela rua
torcida como uma costela

Aquela casa de janelas com dor-de-dente
amarrou um coqueiro do lado

Um pé de meia faz exercício no arame

Vizinha da frente grita no quintal:
- João! Ó João!

Bananeira botou as tetas do lado de fora
Mamoeiros estão de papo inchado

Negra acocorou-se a um canto do terreiro
Pôs as galinhas em escândalo

Lá embaixo
passa um trem de subúrbio riscando fumaça

À porta da venda
negro bocejou como túnel


(Raul Bopp)


O morro, a cavaleiro da cidade, cujas luzes brilham ao longe. Platô da terra com casario ao fundo, junto ao barranco, defendido, à esquerda, por pequena amurada de pedra, em semi-círculo, da qual desce um lance de degraus. Noite de lua, estática, perfeita. No barraco de Orfeu, ao centro, bruxuleiam lamparinas. Ao levantar o pano, a cena é deserta. Depois de um prolongado silêncio, começa-se a ouvir, distante, o som de um violão plangendo uma valsa que pouco a pouco se aproxima, num tocar divino, simples e direto como uma fala de amor. Surge o Corifeu.

(Orfeu da Conceição - Vinicius de Moraes)




(Cidade de Deus - Fernando Meirelles)


Outros tempos, sensibilidades diversas. Há distância entre as imagens e o real. Mas percebe-se a realidade diretamente, sem imagens?
CATA-PIOLHO DO REI DO CONGO
(embalo de rede)

Ó cata-piolho
me empresta o teu sono
Os zoinhos piquininho
já quase fechou

O sono entrou nos zóio
Afundou na escuridão
A piroca piruquinha
tá molinha. Moleceu

Já são quatro Já são oito
Eu vou ver quem é que vem
Tá chegando o Presidente
no seu palácio real

Já são sete Já são oito
O rei Congo chegou
Chegou com elefantes
sapato de verniz

Iaiá fez quentinho
Rei Congo drumiu
Papagaio pena verde
ai, me conte que tu viu

O elefante foi à guerra
mas morreu o capitão
Deixou um anel de prata
e um tambor de papelão

Ai já vem chegando o sono
numa rede de algodão
Pra fazer um dormezinho
Pum-pum Para-ti Pum

Rei Congo Sorongo
sapato de verniz
Iaiá fez quentinho

Cante bem devagarzinho
Pum-pum Para-ti Pum


(Raul Bopp)

segunda-feira, 30 de setembro de 2002

Eros e Psiquê


Conta a lenda que dormia
Uma princesa encantada
A quem só despertaria
Um infante, que viria
De além do muro da estrada.

Ele tinha que, tentado,
Vencer o mal e o bem,
Antes que, já libertado,
Deixasse o caminho errado
Por o que a princesa vem.

A princesa adormecida,
Se espera, dormindo espera,
Sonha em morte a sua vida,
E orna-lhe a fronte esquecida,
Verde, uma guirlanda de hera.

Longe o Infante, esforçado,
Sem saber que intuito tem,
Rompe o caminho fadado.
Ele dela é ignorado.
Ela para ele é ninguém.

Mas cada um cumpre o Destino -
Ela dormindo encantada,
Ele buscando-a sem tino
Pelo processo divino
Que faz existir a estrada.

E, se bem que seja obscuro
Tudo pela estrada fora,
E falso, ele vem seguro,
E, vencendo estrada e muro,
Chega onde em sono ela mora.

E, inda tonto do que houvera,
À cabeça em maresia,
Ergue a mão, e encontra hera,
E vê que ele mesmo era
A princesa que dormia.

(Fernando Pessoa)


(Pierre Verger - Dakar, Senegal, anos 50)

sábado, 28 de setembro de 2002

para ser grande, sê inteiro: nada
teu exagera ou exclui.
sê todo em cada coisa. pôe quanto és
no mínimo que fazes.
assim em cada lago a lua toda
brilha, porque alta vive.


(Ricardo Reis)

para uma acadêmica sandy



Fiquei louco com o bolo de banana da minha sogra. Delícia!

(Festa da Ju - Menote)

E foi aniversário da Juh-Lai-Lama, com uma festa num terraço que tinha muito samba-rock e uma vista linda da cidade. E tinha Carol, Schroeder, Zé, Pander, Tantri, Ciba, Menote, Puliça, Melissa, Dani, Patrícia, um tanto de gente...E todos ficaram iluminados!
Debaixo d'água

Debaixo dágua tudo era mais bonito
mais azul mais colorido
só faltava respirar

Mas tinha que respirar

Debaixo dágua se formando como um feto
sereno confortável amado completo
sem chão sem teto sem contato com o ar

Mas tinha que respirar
Todo dia
Todo dia, todo dia
Todo dia
Todo dia, todo dia
Todo dia

Debaixo dágua por encanto sem sorriso e sem pranto
sem lamento e sem saber o quanto
esse momento poderia durar

Mas tinha que respirar

Debaixo dágua ficaria para sempre ficaria contente
longe de toda gente para sempre
no fundo do mar

Mas tinha que respirar
Todo dia
Todo dia, todo dia
Todo dia
Todo dia, todo dia
Todo dia

Debaixo dágua protegido salvo fora de perigo
aliviado sem perdão e sem pecado
sem fome sem frio sem medo sem vontade de voltar

Mas tinha que respirar

Debaixo dágua tudo era mais bonito
mais azul mais colorido
só faltava respirar

Mas tinha que respirar
Todo dia
Todo dia, todo dia
Todo dia
Todo dia, todo dia
Todo dia

(Arnaldo Antunes)


E passou o aniversário do Lindus, e eu nem pude comparecer! Que puxa...

E na vida, se tudo pode acontecer..., lhe desejo o melhor; ou melhjor, o meu desejo...

se tudo pode acontecer...
se pode acontecer qualquer coisa
um deserto florescer
uma nuvem cheia não chover

pode alguém aparecer
e acontecer de ser você
um cometa vir ao chão
um relâmpago na escuridão

e a gente caminhando de
mão dada de qualquer maneira
eu quero que esse momento
dure a vida inteira
e além da vida ainda
de manhã no outro dia
se for eu e você
se assim acontecer


se tudo pode acontecer...


(Arnaldo Antunes/Paulo Tatit/Alice Ruiz/João Bandeira)




... presentes do Recife ...


Todo vermelho, descascando, com vaquinhas e casinhas de presente voltei. Fiquei com saudades de casa, e do meu amor, mas adorei Recife. Praia, canal, praia, canal... parece que água é tudo que a gente pode ver ali. Mas tem muito mais: bolo de rolo, tapioca, carne de bode, sovaco de cobra, suco de mangaba, torta de cajá, cartola, queijo manteiga, queijo coalho, ensopado de siri, camarão, pirão de caranguejo, casquinha de caranguejo, peixe agulha frito, água de coco na praia, humm!!! E um paradoxo: o povo que é tão áspero e cortante no comércio é maravilhoso na hora de nos acolher. Tive a sorte de encontrar muita gente legal, que me levou pra conhecer toda a cidade (a velha e a nova). E quantas pontes, quantas ruas, quantas casas antigas... meu Lindus ia querer todas pra gente morar. E tem Olinda, ali bem pegadinha - Ouro Preto à beira-mar, com as mais bonitas talhas que já vi. E o Porto, de Galinhas, às quais Schroeder mandou abraços. E tome tapioca na praça, peixe agulha no mirante. Irmandade de Santa Gertrudes, ofício de mulheres. Azulejo português na parede, paliçada holandesa nos subterrâneos. Trinta graus de sol no quengo. E Eckhout!!

Depois desta semana minha cidade me pareceu mais calma que nunca...

sábado, 7 de setembro de 2002

a gete sempre acha que é
Fernando Pessoa.
(Ana Cristina Cesar)

e o tempo tornou-se infinitamente longo:
o início ficou distante para trás;
para frente, parece eterno.

e, no entanto,
foi apenas um começo.

Dedicatória, com uma Mensagem, para uma pessoa.

6 de maio de 2002

sexta-feira, 6 de setembro de 2002

É aniversário da G.H., que está sempre de parabéns. Quais felizes surpresas ainda passarão diante dos olhos desta menina séria?

hoje é dia de festa hoje é dia de festa é dia de jogar flores no mar é dia de dar presente para Iemanjá tá florido tá bonito tá querido tá garrido tá amigo sem perigo tá contigo tá comigo. (Jorge Benjor)

Seiscentos e Sessenta e Seis


A vida é um dos deveres que nós trouxemos para fazer em casa
Quando se vê, já são seis horas: há tempo...
Quando se vê, já é 6ª feira...
Quando se vê, passaram 60 anos...
Agora, é tarde demais para ser reprovado...
E se me dessem - um dia - uma outra oportunidade,
eu nem olhava o relógio
seguia sempre, sempre em frente...

E iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil das horas.

(Esconderijos do Tempo - Mario Quintana)




(Cello, Old Man, Little Girl - Norman Rockwell)
Para Heloisa

Há alguém, todos o sabem, a quem admiro. Alguém para quem um dia olhei como quem olha um quadro. Na sua imagem busquei um exemplo de conduta: a ética da profissão, a estética do bem viver. E o que me mostrou, na face, foi um espelho: a imagem refletida e profética do que poderei ser. Encorajando-me, é uma casa de espelhos, num parque de diversões; espelhos que me fazem sentir maior, ou melhor. Algo a mais do que sou. Mas, o que vi, e ela não sabe, foi uma delicadeza, uma sensibilidade tamanha que comovem; a mim, e a quem me ouve dela falar. Por fim espero que, um dia, ela descubra: posso retribuir; e no momento certo refletir-lhe, em meu rosto, a força que dela veio. No entanto, por hora eu canto...

se meu mundo cair, então
caia devagar
não que eu queira assistir sem saber evitar
cai por cima de mim
quem vai se machucar
ou surfar sobre a dor até o fim
cola em mim até ouvir
coração no coração
o umbigo tem frio e arrepio de sentir
o que fica prá trás
até perder o chão
ter o mundo na mão
sem ter mais onde se segurar
se meu mundo cair
eu que aprenda a levitar

(José Miguel Wisnik)




(Auto-Retrato - Norman Rockwell)


Do mesmo disco, tenho certeza que a Regina vai adorar Flores Horizontais, de Jozé Miguel Wisnik sobre uma poesia de Oswald de Andrade.

Flores Horizontais

flores horizontais
flores de vida
flores brancas de papel
da vida rubra de bordel
flores da vida
afogadas nas janelas do luar
carbonizadas de remédios
tapas pontapés
escuras flores puras
putas suicidas sentimentais
flores horizontais
que rezais
com Deus me deito
com Deus me levanto



(Composition avec nu - Louis-Camille d'Olivier)



Ouvi o novo disco de Elza Soares. Lindo; varia de forte a melancólico, de sarcástico a poético... o melhor mesmo é ouví-lo. E uma das delícias é Fadas, de Luiz Melodia, uma homenagem da cantora a seu falecido amigo Piazzolla.

Fadas

devo de ir, fadas
inseto voa e cego sem direção
eu bem-te-vi, nada
ou fada borboleta ou fada canção
as ilusões, fartas
a fada com varinha virei condão
rabo de pipa, olho de vidro
pra suportar uma costela de Adão
um toque de sonhar sozinho
te leva em qualquer direção
de flauta, remo ou moinho
de passo a passo passo

(Luiz Melodia)


(Cupido - Norman Rockwell)

Mais um aniversário. Mais amor. E meu presente:

Mais simples

é sobre-humano amar
'cê sabe muito bem
é sobre-humano amar, sentir,
doer, gozar,
ser feliz
vê que sou eu quem te diz
não fique triste assim
é soberano e está em ti querer até
muito mais
a vida leva e trás,
a vida faz e refaz
será que quer achar
sua expressão mais simples?
mas deixa tudo e me chama
eu gosto de te ter
como se já não fosse a coisa mais humana
esquecer
é sobre-humano viver
e como não seria
sinto que fiz essa canção em parceria
com você
a vida leva e traz
a vida faz e refaz
será que quer achar
sua expressão mais simples?


(José Miguel Wisnik)

terça-feira, 3 de setembro de 2002



Gustav Klimt
A mais bonita

(Chico Buarque)


Não, solidão, hoje não quero me retocar
Nesse salão de tristeza onde as outras penteiam mágoas
Deixo que as águas invadam meu rosto
Gosto de me ver chorar
Finjo que estão me vendo
Eu preciso me mostrar

Bonita
Pra que os olhos do meu bem
Não olhem mais ninguém
Quando eu me revelar
Da forma mais bonita
Pra saber como levar todos
Os desejos que ele tem
Ao me ver passar
Bonita
Hoje eu arrasei
Na casa de espelhos
Espalho os meus rostos
E finjo que finjo que finjo
Que não sei


Essa música me lembra a G.H., e o Schroeder também.
Para a Menina no Espelho, um trecho de um trabalho meu:

Uma mulher com duas faces, um elmo dourado em sua cabeça; um cervo próximo a ela; um espelho em sua mão esquerda, na direita uma flecha, e um peixe Rêmora nesta enroscado. O Elmo significa a Sabedoria do homem prudente em estar, para defender-se, armado com sábios Conselhos; o cervo mostra que devemos ruminar antes de resolver alguma coisa. O espelho nos ordena examinar nossos defeitos, conhecendo a nós mesmos. A Rêmora, que pára um navio, alerta para não tardamos em fazer o Bem, quando o Tempo favorece.(Cesare Ripa)

Alegórica mulher, a Prudência tem duas faces. Mirando-a, encontramos uma corriqueira face humana. Uma, apenas. O alegorista, que a esta dama nos faz ver, por um significativo artifício, escondeu seu segundo rosto na face de um espelho. Quase ingênua, um tanto alheia, esta senhora Prudência olha a si, à sua outra face, que se posta sobre a externa face de vidro. Enfeitiçada ou perdida parece esta mulher, imersa que está na grandiosa tarefa que este atributo, seguro em sua mão esquerda, lhe parece ditar: “examine seus defeitos”, “conheça a si própria”.

Ora, sua face oculta, a outra face, nada mais é que a primeira, em imagem especular. Invertida, mas não menos real que a outra – pois quem poderia afirmar, com toda certeza, qual rosto mira a qual? Não é a segunda face a da beleza, com a qual tendemos nos ver: é a dos defeitos, nosso renegado rosto sombrio.

Mas, perigo, há: o de ver nossa outra face: conhecer a si próprio não é tarefa que se cumpre impunemente. As conseqüências são muitas, às vezes trágicas. Perder-se – um espelho é também labirinto. Através de sua superfície acessamos o desconhecido de nós, de nossa natureza, história e mundo. Mundo invertido e avesso que se abre como fonte de conhecimento, e perdição. Num baralho austríaco do século XV um coringa do sexo feminino segura um espelho para – para nós! A imagem do espelho, figura masculina de torvo aspecto, traz a seguinte inscrição: ‘Coringa feminino olhando para o seu rosto de idiota risonho ao espelho.’

Voltamos à Prudência! Esta dama nos alerta: o olhar que lançamos ao espelho, o ver-se invertido de nós no outro, o olhar que constrói nossa identidade e inventa no outro uma alteridade que o separa de nós, que deixa de ser o olhar-ponte que nos liga, une, trazendo o outro para dentro de mim, e me levando até ele, é na verdade um olhar injusto, que não vê mais que o desejado, que nega ao outro a possibilidade de existência na visibilidade – na sua real visibilidade – que o prende do outro lado do vidro, para que não nos ameace, com sua diferença, a integridade. Lembra também que além da face, da margem do espelho, há existência, há um outro que não é apenas miragem, que sobrevive debaixo dos escombros das projeções de nossos medos, desejos e esperanças, que respira seus próprios medos, desejos e esperanças, mas que se encontra atado ao vazio de exercer a sua identidade perante nós: pois nós não o veríamos! A Prudência diz: mire-se no espelho do outro, reconheça-o no espelho, acredite no que vê: ele é outro. Então, aja... A rêmora, que soluciona conflitos e litígios, encontra-se do outro lado da plana face, é especular.

... em Paris durante a primeira metade do século XVIII, o Pe. Zallinger, da Companhia de Jesus, planejou um estudo das ilusões e erros do povo de Catão; num levantamento preliminar anotou que o Peixe era um ser fugitivo e resplandecente que ninguém havia tocado, mas que muitos alegavam ter visto no fundo dos espelhos. (...) Segundo Giles, a crença no Peixe é parte de um mito mais amplo, que se refere à época legendária do Imperador Amarelo.

Naquele tempo, o mundo dos espelhos e o mundo dos homens não estavam, como agora, incomunicáveis. Eram, além disso, muito diferentes; não coincidiam nem os seres nem as cores nem as formas. Ambos os reinos, o especular e o humano, viviam em paz; entrava-se e saía-se pelos espelhos. Uma noite, a gente do espelho invadiu a Terra. Sua força era grande, porém ao cabo de sangrentas batalhas as artes mágicas do Imperador Amarelo prevaleceram. Este rechaçou os invasores, encarcerou-os nos espelhos e lhes impôs a tarefa de repetir, como numa espécie de sonho, todos os atos dos homens. Privou-os de sua força e de sua figura e reduziu-os a meros reflexos servis. Um dia, entretanto, livrar-se-ão dessa mágica letargia.

O primeiro a despertar será o Peixe. No fundo do espelho perceberemos uma linha tênue e a cor dessa linha não se parecerá com nenhuma outra. Depois, irão despertando as outras formas. Aos poucos diferirão de nós, aos poucos deixarão de nos imitar. Romperão as barreiras de vidro ou de metal e desta vez não serão vencidas. (...)
No Yunnan não se fala do Peixe e sim do Tigre do Espelho. Outros acreditam que antes da invasão ouviremos do fundo dos espelhos o rumor das armas.
(Borges)
Com minha morte, muita coisa ficou por dizer. Minha boca calou-se para sempre. Enquanto os dedos de Schroeder cantavam ao piano pela Europa, e encantando ouvidos na casa de Mozart. Marcie mudou-se para longe; deixando Bobis de bob’s. Formaram-se Creia, Mel e Ana H; já Carol, está quase. Nasceram Frida e Lorie; respectivamente, minha sobrinha e minha filha- duas lindas gatinhas. E eu aqui, no limbo, ausente.



A gata de Lenora
Ando caído de amor, pelos caicais de amor, do meu amor.
IX
ONDINA

... Eu acreditava escutar
uma vaga harmonia que o meu sonho encantava,
um sussurro próximo, semelhante no ar,
ao canto entrecortado de uma voz triste terna.

(Os dois gênios - Ch. Brugnot)


- Escuta! Escuta! Sou eu, Ondina, quem toca levemente com gostas de água os sonoros losangos de tua janela iluminada por melancólicos rios de luar; e vê aí, vestida de tafetá, a dama do castelo que do balcão contempla a formosa noite estrelada e o belo lago adormecido.
“Cada onda é uma ondina que nada na corrente, cada corrente é um caminho que serpenteia até o meu palácio, e meu palácio está feito de matérias fluidas, no fundo do lago, no triângulo do fogo, da terra e do ar.”
- “Escuta! Escuta! Meu pai, coaxando, fustiga a água com um ramo de amieiro verde; e minhas irmãs acariciam com seus braços de espuma as frescas ilhotas de ervas, de nenúfar, de gladíolo, ou zombam do salgueiro decrépito e barbado que pesca com uma vara.”
Terminada a canção, suplicou-me que pusesse eu seu anel no meu dedo para ser esposo de uma ondina, e visitar com ela seu palácio e ser o rei dos lagos.
Como eu respondesse que amava uma mortal, zangada e despeitada verteu algumas lagrimas, soltou uma gargalhada e desvaneceu-se entre aguaceiros que escorriam claros em meus vidros azuis.

(Gaspar de la nuit - Aloysius Bertrand – 1842)


Há muito, gosto dessa estória. De amor frustrado e loucura. Gosto tanto, talvez, como Ravel, que a narrou em música. Gaspar de la nuit – Trois poèmes pour piano d’aprés Aloysius Bertrand. Digo narrou-a, pois esta música, diferente da igualmente bela Ondine de Debussy, narra, e não descreve. Debussy, foi um mestre da narração musical. Suas composições, erigidas na ânsia da criação de imagens sonoras, nos fazem ver os objetos aos quais se dedica – e, entre estes, a ondulante criatura. Para tanto, lança mão dos procedimentos descritivos – procedimentos estes que nos apresentam o estado, a natureza dos seres ou coisas a que se referem. Que nos transmitem suas características, e suas formas. Que nos fazem vê-los, mentalmente, como se à nossa frente estivessem. Que suprem sua ausência, criando imagens que, com um máximo de perfeição, o substituem. Simulacros: imagens que têm existência própria, pois se desprende do corpo que as emitem; diria Lucrécio. E, já Ravel, este nos conta uma estória. A estória do amor frustrado de Ondina, onde o que conta é menos saber são suas feições, ou as daquele que a rejeita. E sim, de se transmitir a sucessão de estados – psicológicos, quem sabe – pelos quais passam a rainha dos lagos. Estados que se transformam, e que são encadeados, por ações: por sua declaração de amor, pela reação negativa do homem que ama, pela sua desilusão e desespero, pelo seu desaparecer. E Ravel narra, como todo bom narrador, colocando, na estória, sua própria experiência; sua música. E os dedos do pianista fazem surgir Ondina, Ondina e sua declaração, Ondina e sua súplica, e a gargalhada de Ondina, para, enfim, Ondina desfazer-se no ar, como os sons de um piano.

Para ouvir Ondine, de Ravel, prefiro a gravação de Ivo Pogorelich; de Debussy, a de Arturo Bennedetti Michelangelo.
Post-Mortem

Levanto do meu leito de noturno descanso. E conto a (des)matéria de minha pós-vida. Sábado. Dia da criação. Por macabro descuido, ergo-me demasiado cedo do leito onde jazia. Aproveito o momento para entreter-me com Os outros – filme bom, embora previsível para quem o vê do lado de cá. Assim, começou o dia. Nublado e frio. E, à noite, antes de recolher-me, elevo meu espírito com uma boa leitura.

LIVRO TERCEIRO DOS FANSTASIAS DE GASPAR DA NOITE
A Noite e suas Ilusões

II

Scarbó


Deus, meu, concede-me na hora da morte, as súplicas de um monge, uma mortalha de pano, um ataúde de pinho e em ligar seco. - As Ladainhas do Senhor Marechal

Morras absolvido ou condenado – murmurava Scarbó esta noite em meu ouvido –, e terás por mortalha uma teia de aranha, e já me encarregarei de amortalhar a aranha contigo.
Com os olhos vermelhos de tanto chorar, respondi: “Dá-me ao menos por mortalha uma folha de álamo, que me traga o hálito do lago.”
- Não – respondeu sardônico o anão –: serás pasto do escaravelho que todas as tardes sai a caçar mosquitos deslumbrados pelo sol poente.
- Preferes, pois – repliquei sem deixar de chorar –; preferes que uma tarântula com tromba de elefante me sorva?
- Bem, consola-te – acrescentou –. Terás por mortalha as tiras cravejadas de ouro de uma pele de serpente, nas quais te envolverei como uma múmia.
“E da tenebrosa cripta de São Benigno, onde te deixo de pé contra a parede, poderás ouvir à vontade como choram as crianças que estão no limbo.”.

(Gaspar de la nuit - Aloysius Bertrand – 1842)


terça-feira, 20 de agosto de 2002

Tempos tucanos: anos bicudos.


500 ANOS DE PAU BRASIL



Quatro glosas e um epílogo a propósito do episódio de violência policial na Favela Naval de Diadema.


500 anos de escravidão (legal até 1888, ilegal depois)

Trabalho forçado, trabalho de menores, confinamento, senzala, calabouço, palmatória, vara, cacete, porrete, tronco (ciclo do pau), açoite, chicote, látego, chibata, relho, bacalhau, vergalho (ciclo do couro), corrente, máscara de flandres, gargalheira, colher de ferre, anjinho, grilhões, calceta, peia, ferro de marcar (ciclo do ferro), mutilação, estupro, mulheres grávidas jogadas ao forno (o ventre explode: plof!), força, assassinato (ciclo do homem).


500 anos de latifúndio

Servidão, expropriação, expulsão, exploração, cambão, balcão, destruição de cerca, incêndio de casa; capanga, pistoleiro, polícia, delegado, estupro de mulher e filha, surra, clister, castração, tocaia, assassinato.


500 anos de patriarcalismo

Casa grande, mulheres e filhas confinadas, mandadas para o convento, dominadas, caladas, vigiadas, casadas à força, espancadas, estupradas, assassinadas.


500 anos de violência institucional

Na Colônia, índios preados e escravizados, Palmares arrasado, Felipe dos Santos amarrado a cavalos e esquartejado, Tiradentes enforcado e esquartejado; no Império, Frei Caneca fuzilado, 30 mil mortos na Cabanagem, rosários de orelhas de cabanos no pescoço dos soldados; na República Velha, presos degolados na revolta Federalista (os que pronunciavam o “jota” à castelhana), Canudos arrasada, seus prisioneiros degolados (os que se negavam a dar um Viva à República), fuzilamento sumário de rebeldes n Rio de Janeiro e em Santa Catarina durante a revolta Armada, surra de espada nos soldados, chibata no lombo dos marinheiros, dezesseis marinheiros asfixiados entre nuvens de cal na solitária na Ilha das Cobras sob a guarda da Marinha; no Estado Novo, na Delegacia de Ordem Política e Social, espancamento de presos políticos nos rins e na sola dos pés com canos de borracha, pedaços de nádegas tirados com maçarico, esponja embebida de mostarda na vagina das prisioneiras, assassinato; na outra ditadura, prisão, seqüestro, bofetão, espancamento, choque elétrico, estupro, cassetete no ânus e na vagina, assassinato; na era da Constituição cidadã, Candelária, Vigário Geral, Carandiru, Eldorado, Corumbiara, Manaus, Diadema, extorsão, tortura, massacre, pena de morte sem julgamento.

Pau-Brasil

Tortura
(diz a Aeronáutica)
Fácil de fazer:
Maltrata, maltrata
Até morrer.


(Pontos e Bordados - José Murilo de Carvalho)


René ajudando Linus e Lucy a instalar seus armários

um desastre
A Wê me perguntou: quem é você? Pensei... pensei... e não sei...

Tenho 26 anos, e acho só que sou assim:



sem jeito



um pouco esculhambado




quase um Charlie Brown.


Mas há quem ache que eu sou Castor, o construtor - O Castor é o construtor do reino animal... Se você observar suas represas, capazes de bloquear fortes torrentes de água, verá que existem diversas entradas e saídas. Quando constrói sua casa, o Castor sempre se preocupa em preparar diversos pontos de escape. Esta é uma prática lição... para que não nos deixemos encurralar, pois se não concebermos algumas alternativas, estaremos represando o curso de nossas vidas. Um produtor é caracterizado por sua operosidade, e o Castor sabe que a limitação impede a produtividade. O Castor tem dentes afiados, sendo capaz de derrubar grandes árvores. Imagine, portanto, o estrago que seus dentes são capazes de fazer no lombo de seus inimigos... (uhuhu-ahahahaaaaaaa) para ser capaz de compreender o Castor, você deve reconhecer o poder do trabalho e conscientizar-se da satisfação proporcionada pelo bom cumprimento de uma tarefa. Precisa aprender que, para concretizar um sonho, é necessário contar com o apoio do grupo... quando aprendemos a trabalhar em harmonia com os outros, desenvolvemos um forte sentimento comunitário, e o resultado é a união de todos os envolvidos. Castor... ensina-me a concretizar meus sonhos, neles incluindo os outros.

(Cartas Xamânicas - Jamie Sams & David Carson)




(Joueur de Flute et Gazelle - Pablo Picasso)


(A flauta mágica - Marc Chagall)


Senhores, Imperadores, Reis, Duques e Marqueses, Condes, Fidalgos e burgueses, e todos vós que desejais conhecer as diferentes raças e as variedades das diversas regiões do globo, tomai este livro e mandai que vo-lo leiam... E todos que o lerem e entenderem devem crer nele, pois as coisas que conta correspondem à verdade; e eu vos certifico de que, desde que Deus Nosso Senhor modelou Adão e Eva com suas mãos até hoje em dia, não houve cristão, nem sarraceno, nem pagão, nem tártaro, nem índio, nem homem algum de geração alguma, que tanto tivesse visto, investigado e sabido das maravilhas do mundo... por isso vos digo que seria grande desventura não ficarem escritas todas as preciosas maravilhas que viu e ouviu, para que os povos que não as viram nem conheceram delas tomem conhecimento... (Marco Pólo) Como a nenhum ser humano é possível, em sua existência, ver pessoalmente todos os bens terrestres - não só porque o universo vive em perfeita transmutação, como, também, devido à vastidão do mesmo -, Deus concedeu-nos os meios de tornar essas coisas acessíveis aos nossos olhos, quer através dos escritos ou gravuras, quer através das obras ou indústrias dos que delas tiveram conhecimento. Assim, muitas antigas fabulas... são representadas por figuras, creio que só para a satisfação humana; ao passo que podemos ver, sem necessidade de representação, várias outras coisas, como é o caso das numerosas espécies animais diariamente ao alcance de da nossa vista. Daí a resolução de descrever (André Thevet). Alguém poderia dizer agora: “Se eu quisesse mandar imprimir tudo o que experimentei e vi na vida, faria um livro muito grosso.” Tem razão, e segundo esse ponto de vista eu também poderia escrever muito mais ainda. Porém não é o caso. (André Thevet)... minha intenção é a de perpetuar aqui a lembrança de uma viagem (Jean de Lery). Quem viaja tem muito o que contar”, diz o povo (Walter Benjamin)... Não sou o primeiro nem serei o último a conhecer tais viagens marítimas, terras e povos. Os que me precederam também nem sempre passaram contentes por suas experiências de viagem (Hans Staden); perguntando Anacharsis de que expessura eram as pranchas, ou tábuas, com as quais se armavam os navios, respondeu-lhe alguém ser apenas de quatro dedos; ao que replicou o filósofo: “A vida dos que viajam nesses navios não está, também, mais distante da morte (André thevet)... Qualquer um pode imaginar que a disposição de quem está ameaçado de morte é muito diferente daquela de quem fica observando à distância, ou apenas ouvindo falar de tais casos (Hans Staden); não porque ele teria qualquer saber secreto pessoal a nos revelar, mas muito mais porque, no limiar da morte, ele aproxima nosso mundo vivo e familiar deste outro mundo desconhecido e, no entanto, comum a todos. (Jeanne Marie Gagnebin). É no momento da morte que o saber e a sabedoria do homem e sobretudo sua existência vivida – e é dessa substância que são feitas as histórias – assumem pela primeira vez uma forma transmissível. Assim como no interior do agonizante desfilam inúmeras imagens – visões de si mesmo, nas quais ele se havia encontrado sem se dar conta disso –, assim o inesquecível aflora de repente em seus gestos e olhares (Walter Benjamin). E o moribundo é capaz de discernir, no substrato de sua existência, aquilo que lhe é inefavelmente particular e que marca sua solitária individualidade – sua vivência (Jeanne Marie Gagnebin). Se quer seguir-me, narro-lhe; não uma aventura, mas experiência, a que me induziram, alternadamente, séries de raciocínios e intuições. Tomou-me tempo, desânimos, esforços. Dela me prezo, sem vangloriar-me. (Guimarães Rosa): Depois de uma tempestade, vê-se o poder de persuasão do ar. Meus méritos tornam-se-me evidentes, e me dominam, embora eu não lhes ofereça nenhuma resistência. Caminho e meu compasso é o compasso deste lado da rua, da rua, do bairro inteiro. Com direito, sou responsável por todos os brindes, por todos os casais de amantes em seus leitos, nos andaimes das construções, nas ruas escuras, apertadas contra as paredes das casas, nos divâs dos prostíbulos. Comparo meu passado ao meu futuro, mas ambos parecem-me admiráveis, não posso outorgar a palma a nenhum dos dois, e apenas protesto diante da injustiça da Providência, que me favoreceu tanto. Mas quando entro em meu quarto, sinto-me um tanto pensativo, embora ao subir as escadas não encontrasse nada que justificasse esse sentimento. Não me serve de consolo abrir de par em par a janela, e ouvir que ainda se está tocando música em um jardim (Franz Kafka). Jamais quis tão pouco nesta vida ouvir numa certa hora a palavra adeus (Cacaso). Ah se pelo menos o pensamento não sangrasse! Ah se pelo menos o coração não tivesse memória! Como seria menos linda e mais suave minha história! (Cacaso): Uma noite de lua pálida e gerânios ele viria com boca e mãos incríveis tocar flauta no meu jardim. Estou no começo de meu desepero e só vejo dois caminhos: ou viro doido ou santo... Quando ele vier, porque é certo que vem... de que modo vou abrir a janela, se não for doido? Como a fecharei, se não for santo? (Adélia Prado)


E de que morreu Boli? De narrativas, por certo.

segunda-feira, 12 de agosto de 2002

Para meu Lindus



(Magnolia Blossom - Imogen Cunningham, 1925)



(The Lone Lagoon - P. H. Emerson, 1890/1895)
Dia dos Pais: daqui a alguns anos, estarei ganhando gravatas e escovas de encerar sapatos...
Será que meus filhos vão se sentir diferentes dos coleguinhas por terem um pai que não trabalha de terno e gravata, e uma mãe que não é dona de casa? Como evitar esse trauma?... Dúvidas, dúvidas...


Parabéns para a Rachel e para a Sandrinha Shaermann
(mais conhecida como Pandermônio)

quinta-feira, 8 de agosto de 2002



(A Espuma - Camille Claudel)

- para carol e g.h. -
doce líquido,
e o vapor que sobe.
você o sorve.


(Hai-kai do Banchá, para o bem dormir)
Alguém já ouviu a música da cibala, cibola, cibele???
Para quem vive me perguntado que é a G.H., basta clicar no G.H. que ela mesmo lhe contará, com seu humor mais peculiar. Aqui vai um desenho dela, quando em pânico, cantando Exageradoooo!.
Cara Puliça,
Como não tenho solução para seu caso, dedico-lhe uma poesia do Cacaso.


Happy End

o meu amor e eu
nascemos um para o outro

agora só falta quem nos apresente

(Beijo na Boca - Cacaso)
Os embaralhos de sábado à noite:

Encontro dos blogueiros

Click aqui, aqui, e aqui!

E só pra completar: depois dormi apenas duas horas, levantei e fui fazer um trabalhinho que valia apenas 50% dos créditos de uma disciplina. Fiquei escrevendo até à noite, e continuei a escrever por mais 12 horas no dia seguinte. Ou seja: como fui irresponsável! Divertidamente irresponsável.
Resumo de meus dias



... e isso até que me faz feliz!
Ré menor

fazendo versinho
querendo carinho

(Beijo na Boca - Cacaso)


Ontem, ganhei esse livrinho do meu Lindus. Poesia marginal. Nem é preciso dizer que adorei! É tudo tão bunitim... estou absurdado, encantado, apaixonado, abobalhado. E querendo namorar, namorar, namorar, cada vez mais.

sábado, 3 de agosto de 2002

Para viver um grande amor, il faut além de fiel, ser bem conhecedor de arte culinária e de judô — para viver um grande amor.

Para viver um grande amor perfeito, não basta ser apenas bom sujeito; é preciso também ter muito peito — peito de remador. É preciso olhar sempre a bem-amada como a sua primeira namorada e sua viúva também, amortalhada no seu finado amor.

É muito necessário ter em vista um crédito de rosas no florista — muito mais, muito mais que na modista! — para aprazer ao grande amor. Pois do que o grande amor quer saber mesmo, é de amor, é de amor, de amor a esmo; depois, um tutuzinho com torresmo conta ponto a favor...

Conta ponto saber fazer coisinhas: ovos mexidos, camarões, sopinhas, molhos, strogonoffs — comidinhas para depois do amor. E o que há de melhor que ir pra cozinha e preparar com amor uma galinha com uma rica e gostosa farofinha, para o seu grande amor?

Mas tudo isso não adianta nada, se nesta selva oscura e desvairada não se souber achar a bem-amada — para viver um grande amor.

(Fragmentos de Para viver um grande amor - Vinícius de Morais)

quinta-feira, 1 de agosto de 2002



Johnson, Osa & Martin - Refrigerator
da série Bornéu - 1920