quinta-feira, 20 de junho de 2002

Menina,

eu já havia passado por seu espelho, e confesso que gostei. Mas, de seus textos, o que eu poderia dizer? Hiperbreves?, sim. Alguns são densos, e condensam algo em quem os lê: um sentimento, um sentido, uma intenção, uma idéia. Outros, menos: brincam com nossos sentidos, giram pelo corpo e se vão, na brevidade de uma piscadela. Mas, como estou atrevido e muito crente em mim, me permito a duas ousadias.

A primeira: feliz com seus elogios, comento seu Amor de Raposas com um textinho que fiz, de impulso, para quem amo.


Ensine-me coisas.
Não em tom de ensinamento.
Mas soltando os nós que foram amarrando minha alma.



A segunda: tomar emprestado seus Olhos de brinquedo como meu espelho, e minha janela.

Olhos de brinquedo

A menina da janela observa tudo. Está no segundo andar. A rua é calma, margeada de árvores e coberta de folhas. A casa é rosa, tem um gramado ao redor, uma varanda na entrada e nada de portão trancando a menina. Ao alcance dos olhos dela está o sobrado lilás - bem em frente, a escola de inglês - do lado esquerdo do sobrado, e a praça com o gira-gira - do outro lado. Ela não liga pro gira-gira. Gosta mesmo é de ver as pessoas. Tem oito anos e uma população dentro de si. Sabe como a criada da frente varre a calçada, conhece o andar da diretora da escola e imita direitinho a garota manca que brinca na praça todas as tardes. Não erra o barulho do lixeiro, pergunta - e decora - nome e sobrenome de cada entregador que aparece. Já contou os cadernos que o menino do skate leva para a aula de música - três - e está quase certa de que o guarda da noite apita 44 vezes, da hora em que entra no turno até a hora em que ela dorme. A menina da janela tem cachinhos dourados, dentes de leite, e é cega.

(A Menina no Espelho)