domingo, 6 de abril de 2003




E agora, um bolino especial para um ser de cuja pele se fazem as adargas; parece-se com vacas e muito mais com mulas, o rabo é de um dedo, não tem cornos, tem uma tromba de comprimento de um palmo que encolhe e estende. Nada e mergulha muito, mas em mergulhando logo toma fundo, e andando por ele sae em outra parte (segundo o padre Fernão Cardim, lá pelos 1600), a nossa querida


Jeanne Milde


Escultora e educadora, Jeanne Louise Milde nasceu em Bruxelas (Bélgica), em 1900. Em 1929, veio para o Brasil como membro da Missão Pedagógica Européia. Esta Missão, constituída por ilustres educadores europeus como a psicóloga Helena Antipoff, foi convidada pelo presidente de Minas Gerais, Antônio Carlos de Andrada, com o objetivo de impulsionar a Reforma do Ensino Primário e Normal do estado. Em Belo Horizonte, Milde lecionou na Escola de Aperfeiçoamento de professoras primárias, ensinando modelagem, pintura e história da arte na disciplina de Trabalhos Manuais. Parte das esculturas que ali criou foi destinada a ornamentar espaços públicos das cidades mineiras, como parques e praças. Produziu também obras para uso privado, como peças para cemitérios, jardins e residências. Entre suas obras mais conhecidas estão as “Adolecentes” (1937), esta modelagem em gesso que a artista desejava fundir em bronze. Nesta obra percebe-se a inserção de Milde em uma tradição escultórica que une aspectos acadêmicos e modernos. Milde foi a primeira artista atuante em Belo Horizonte a ter uma formação acadêmica, o que se evidencia na forma clássica que confere ao corpo humano. Por outro lado, sua escultura também foi influenciada por estilos artísticos de caráter moderno (a exemplo do simbolismo), o que resultou na sua busca de simplificação das formas e de uma liberdade expressiva. Note-se que, como os escultores simbolistas da Europa, Milde dá à base desta escultura um aspecto inacabado. Este recurso aumenta a expressividade da obra, além de significar uma subversão da estética acadêmica (que buscava a construção de esculturas com acabamento refinado). No conjunto de sua obra, esta modelagem é representante do interesse da artista em produzir temas e figuras femininos. A partir da renovação modernista dos anos 40, com a chegada em Belo Horizonte de Alberto da Veiga Guignard e a construção do complexo da Pampulha, Milde diminuiu sua participação na cultura mineira, pois passou a ser considerada tradicionalista devido à sua ligação com artistas acadêmicos. Ainda assim, a artista ficou conhecida por esculpir obras com temática feminina, e em suportes variados, como bronze, gesso e madeira. Faleceu em Belo Horizonte (MG), em 1997.


Canto de Oxum


Nhem-nhem-nhem
Nhem-nhem-nhem-xorodô
Nhem-nhem-nhem-xorodô
É o mar, é o mar
Fé-fé xorodô...


Xangô andava em guerra,
Vencia toda a terra,
Tinha ao seu lado Inhansã
Pra lhe ajudar.


Oxum era rainha,
Na mão direita tinha
O seu espelho onde vivia
A se mirar.


Quando Xangô voltou,
O povo celebrou.
Teve uma festa que
Ninguém mais esqueceu.


Tão linda Oxum entrou,
Que veio o rei Xangô
E a colocou no trono
Esquerdo ao lado seu.


Inhansã apaixonada
Cravou a sua espada
No lugar vago que era
O trono da traição.


Chamou um temporal
E no pavor geral
Correu dali gritando
A sua maldição.


(Toquinho/Vinícius)



Quando fico assim limitado
Sem poder fazer
Mas querer
Fico doido
Preso
Quero sair
Quero poder sair
E ser somente ser quem sou




Quando o crime acontece
como a chuva que cai



Como alguém que chega ao balcão com uma carta importante após o
horário de atendimento: o balcão está fechado. Como alguém que quer
prevenir a cidade contra uma inundação, mas fala uma outra língua: ele
não é compreendido. Como um mendigo que bate pela quinta vez numa
porta onde já recebeu algo quatro vezes: pela quinta vez tem fome.
Como alguém cujo sangue flui de uma ferida e que espera pelo médico:
seu sangue continua caindo.


Assim chegamos e relatamos que se cometem crimes contra nós.


Quando pela primeira vez foi relatado que nossos amigos estavam sendo
mortos, houve um grito de horror. Centenas foram mortos então. Mas
quando milhares foram mortos e a matança era sem fim, o silêncio tomou
conta de tudo.


Quando o crime acontece como a chuva que cai, ninguém mais grita
“alto!”.


Quando as maldades se multiplicam, tornam-se invisíveis.
Quando os sofrimentos se tornam insuportáveis, não se ouvem mais os
gritos.
Também os gritos caem como a chuva de verão.


(Bertolt Brecht)