terça-feira, 20 de agosto de 2002

Tempos tucanos: anos bicudos.


500 ANOS DE PAU BRASIL



Quatro glosas e um epílogo a propósito do episódio de violência policial na Favela Naval de Diadema.


500 anos de escravidão (legal até 1888, ilegal depois)

Trabalho forçado, trabalho de menores, confinamento, senzala, calabouço, palmatória, vara, cacete, porrete, tronco (ciclo do pau), açoite, chicote, látego, chibata, relho, bacalhau, vergalho (ciclo do couro), corrente, máscara de flandres, gargalheira, colher de ferre, anjinho, grilhões, calceta, peia, ferro de marcar (ciclo do ferro), mutilação, estupro, mulheres grávidas jogadas ao forno (o ventre explode: plof!), força, assassinato (ciclo do homem).


500 anos de latifúndio

Servidão, expropriação, expulsão, exploração, cambão, balcão, destruição de cerca, incêndio de casa; capanga, pistoleiro, polícia, delegado, estupro de mulher e filha, surra, clister, castração, tocaia, assassinato.


500 anos de patriarcalismo

Casa grande, mulheres e filhas confinadas, mandadas para o convento, dominadas, caladas, vigiadas, casadas à força, espancadas, estupradas, assassinadas.


500 anos de violência institucional

Na Colônia, índios preados e escravizados, Palmares arrasado, Felipe dos Santos amarrado a cavalos e esquartejado, Tiradentes enforcado e esquartejado; no Império, Frei Caneca fuzilado, 30 mil mortos na Cabanagem, rosários de orelhas de cabanos no pescoço dos soldados; na República Velha, presos degolados na revolta Federalista (os que pronunciavam o “jota” à castelhana), Canudos arrasada, seus prisioneiros degolados (os que se negavam a dar um Viva à República), fuzilamento sumário de rebeldes n Rio de Janeiro e em Santa Catarina durante a revolta Armada, surra de espada nos soldados, chibata no lombo dos marinheiros, dezesseis marinheiros asfixiados entre nuvens de cal na solitária na Ilha das Cobras sob a guarda da Marinha; no Estado Novo, na Delegacia de Ordem Política e Social, espancamento de presos políticos nos rins e na sola dos pés com canos de borracha, pedaços de nádegas tirados com maçarico, esponja embebida de mostarda na vagina das prisioneiras, assassinato; na outra ditadura, prisão, seqüestro, bofetão, espancamento, choque elétrico, estupro, cassetete no ânus e na vagina, assassinato; na era da Constituição cidadã, Candelária, Vigário Geral, Carandiru, Eldorado, Corumbiara, Manaus, Diadema, extorsão, tortura, massacre, pena de morte sem julgamento.

Pau-Brasil

Tortura
(diz a Aeronáutica)
Fácil de fazer:
Maltrata, maltrata
Até morrer.


(Pontos e Bordados - José Murilo de Carvalho)


René ajudando Linus e Lucy a instalar seus armários

um desastre
A Wê me perguntou: quem é você? Pensei... pensei... e não sei...

Tenho 26 anos, e acho só que sou assim:



sem jeito



um pouco esculhambado




quase um Charlie Brown.


Mas há quem ache que eu sou Castor, o construtor - O Castor é o construtor do reino animal... Se você observar suas represas, capazes de bloquear fortes torrentes de água, verá que existem diversas entradas e saídas. Quando constrói sua casa, o Castor sempre se preocupa em preparar diversos pontos de escape. Esta é uma prática lição... para que não nos deixemos encurralar, pois se não concebermos algumas alternativas, estaremos represando o curso de nossas vidas. Um produtor é caracterizado por sua operosidade, e o Castor sabe que a limitação impede a produtividade. O Castor tem dentes afiados, sendo capaz de derrubar grandes árvores. Imagine, portanto, o estrago que seus dentes são capazes de fazer no lombo de seus inimigos... (uhuhu-ahahahaaaaaaa) para ser capaz de compreender o Castor, você deve reconhecer o poder do trabalho e conscientizar-se da satisfação proporcionada pelo bom cumprimento de uma tarefa. Precisa aprender que, para concretizar um sonho, é necessário contar com o apoio do grupo... quando aprendemos a trabalhar em harmonia com os outros, desenvolvemos um forte sentimento comunitário, e o resultado é a união de todos os envolvidos. Castor... ensina-me a concretizar meus sonhos, neles incluindo os outros.

(Cartas Xamânicas - Jamie Sams & David Carson)




(Joueur de Flute et Gazelle - Pablo Picasso)


(A flauta mágica - Marc Chagall)


Senhores, Imperadores, Reis, Duques e Marqueses, Condes, Fidalgos e burgueses, e todos vós que desejais conhecer as diferentes raças e as variedades das diversas regiões do globo, tomai este livro e mandai que vo-lo leiam... E todos que o lerem e entenderem devem crer nele, pois as coisas que conta correspondem à verdade; e eu vos certifico de que, desde que Deus Nosso Senhor modelou Adão e Eva com suas mãos até hoje em dia, não houve cristão, nem sarraceno, nem pagão, nem tártaro, nem índio, nem homem algum de geração alguma, que tanto tivesse visto, investigado e sabido das maravilhas do mundo... por isso vos digo que seria grande desventura não ficarem escritas todas as preciosas maravilhas que viu e ouviu, para que os povos que não as viram nem conheceram delas tomem conhecimento... (Marco Pólo) Como a nenhum ser humano é possível, em sua existência, ver pessoalmente todos os bens terrestres - não só porque o universo vive em perfeita transmutação, como, também, devido à vastidão do mesmo -, Deus concedeu-nos os meios de tornar essas coisas acessíveis aos nossos olhos, quer através dos escritos ou gravuras, quer através das obras ou indústrias dos que delas tiveram conhecimento. Assim, muitas antigas fabulas... são representadas por figuras, creio que só para a satisfação humana; ao passo que podemos ver, sem necessidade de representação, várias outras coisas, como é o caso das numerosas espécies animais diariamente ao alcance de da nossa vista. Daí a resolução de descrever (André Thevet). Alguém poderia dizer agora: “Se eu quisesse mandar imprimir tudo o que experimentei e vi na vida, faria um livro muito grosso.” Tem razão, e segundo esse ponto de vista eu também poderia escrever muito mais ainda. Porém não é o caso. (André Thevet)... minha intenção é a de perpetuar aqui a lembrança de uma viagem (Jean de Lery). Quem viaja tem muito o que contar”, diz o povo (Walter Benjamin)... Não sou o primeiro nem serei o último a conhecer tais viagens marítimas, terras e povos. Os que me precederam também nem sempre passaram contentes por suas experiências de viagem (Hans Staden); perguntando Anacharsis de que expessura eram as pranchas, ou tábuas, com as quais se armavam os navios, respondeu-lhe alguém ser apenas de quatro dedos; ao que replicou o filósofo: “A vida dos que viajam nesses navios não está, também, mais distante da morte (André thevet)... Qualquer um pode imaginar que a disposição de quem está ameaçado de morte é muito diferente daquela de quem fica observando à distância, ou apenas ouvindo falar de tais casos (Hans Staden); não porque ele teria qualquer saber secreto pessoal a nos revelar, mas muito mais porque, no limiar da morte, ele aproxima nosso mundo vivo e familiar deste outro mundo desconhecido e, no entanto, comum a todos. (Jeanne Marie Gagnebin). É no momento da morte que o saber e a sabedoria do homem e sobretudo sua existência vivida – e é dessa substância que são feitas as histórias – assumem pela primeira vez uma forma transmissível. Assim como no interior do agonizante desfilam inúmeras imagens – visões de si mesmo, nas quais ele se havia encontrado sem se dar conta disso –, assim o inesquecível aflora de repente em seus gestos e olhares (Walter Benjamin). E o moribundo é capaz de discernir, no substrato de sua existência, aquilo que lhe é inefavelmente particular e que marca sua solitária individualidade – sua vivência (Jeanne Marie Gagnebin). Se quer seguir-me, narro-lhe; não uma aventura, mas experiência, a que me induziram, alternadamente, séries de raciocínios e intuições. Tomou-me tempo, desânimos, esforços. Dela me prezo, sem vangloriar-me. (Guimarães Rosa): Depois de uma tempestade, vê-se o poder de persuasão do ar. Meus méritos tornam-se-me evidentes, e me dominam, embora eu não lhes ofereça nenhuma resistência. Caminho e meu compasso é o compasso deste lado da rua, da rua, do bairro inteiro. Com direito, sou responsável por todos os brindes, por todos os casais de amantes em seus leitos, nos andaimes das construções, nas ruas escuras, apertadas contra as paredes das casas, nos divâs dos prostíbulos. Comparo meu passado ao meu futuro, mas ambos parecem-me admiráveis, não posso outorgar a palma a nenhum dos dois, e apenas protesto diante da injustiça da Providência, que me favoreceu tanto. Mas quando entro em meu quarto, sinto-me um tanto pensativo, embora ao subir as escadas não encontrasse nada que justificasse esse sentimento. Não me serve de consolo abrir de par em par a janela, e ouvir que ainda se está tocando música em um jardim (Franz Kafka). Jamais quis tão pouco nesta vida ouvir numa certa hora a palavra adeus (Cacaso). Ah se pelo menos o pensamento não sangrasse! Ah se pelo menos o coração não tivesse memória! Como seria menos linda e mais suave minha história! (Cacaso): Uma noite de lua pálida e gerânios ele viria com boca e mãos incríveis tocar flauta no meu jardim. Estou no começo de meu desepero e só vejo dois caminhos: ou viro doido ou santo... Quando ele vier, porque é certo que vem... de que modo vou abrir a janela, se não for doido? Como a fecharei, se não for santo? (Adélia Prado)


E de que morreu Boli? De narrativas, por certo.