quinta-feira, 6 de junho de 2002

Mas faço-o sem ter de meu
Mais que o sonho da passagem.


Tento impressionar demais. Expor-me demais. Existir demais. Ser demais. Ter demais. Sempre. Sempre eu, e mais do que eu.
Mas devia tentar menos, cada vez menos, até me apagar.


APAGUE AS PEGADAS

Separe-se de seus amigos na estação
De manhã vá à cidade de casaco abotoado
Procure alojamento, e quando seu camarada bater:
Não, oh, não abra a porta
Mas sim
Apague as pegadas!

Se encontrar seus pais na cidade de Hamburgo ou em outro [lugar
Passe por eles como um estranho, vire na esquina, não os [reconheça
Abaixe sobre o rosto o chapéu que eles lhe deram
Não, oh, não mostre seu rosto
Mas sim
Apague as pegadas!

Coma a carne que aí está. Não poupe.
Entre em qualquer casa quando chover, sente em qualquer [cadeira
Mas não permaneça sentado. E não esqueça seu chapéu.
Estou lhe dizendo:
Apague as pegadas!

O que você disser, não diga duas vezes.
Encontrando o seu pensamento em outra pessoa: negue-o.
Quem não escreveu sua assinatura, quem não deixou [retrato
Quem não estava presente, quem nada falou
Como poderão apanhá-lo?
Apague as pegadas!

Cuide, quando pensar em morrer
Para que não haja sepultura revelando onde jaz
Com uma clara inscrição a lhe denunciar
E o ano de sua morte a lhe entregar
Mais uma vez:
Apague as pegadas!

(Assim me foi ensinado.)



(Bertold Becht)

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