terça-feira, 1 de outubro de 2002

Favela

Meio-dia

O morro coxo cochila
O sol resvala dezagarzinho pela rua
torcida como uma costela

Aquela casa de janelas com dor-de-dente
amarrou um coqueiro do lado

Um pé de meia faz exercício no arame

Vizinha da frente grita no quintal:
- João! Ó João!

Bananeira botou as tetas do lado de fora
Mamoeiros estão de papo inchado

Negra acocorou-se a um canto do terreiro
Pôs as galinhas em escândalo

Lá embaixo
passa um trem de subúrbio riscando fumaça

À porta da venda
negro bocejou como túnel


(Raul Bopp)


O morro, a cavaleiro da cidade, cujas luzes brilham ao longe. Platô da terra com casario ao fundo, junto ao barranco, defendido, à esquerda, por pequena amurada de pedra, em semi-círculo, da qual desce um lance de degraus. Noite de lua, estática, perfeita. No barraco de Orfeu, ao centro, bruxuleiam lamparinas. Ao levantar o pano, a cena é deserta. Depois de um prolongado silêncio, começa-se a ouvir, distante, o som de um violão plangendo uma valsa que pouco a pouco se aproxima, num tocar divino, simples e direto como uma fala de amor. Surge o Corifeu.

(Orfeu da Conceição - Vinicius de Moraes)




(Cidade de Deus - Fernando Meirelles)


Outros tempos, sensibilidades diversas. Há distância entre as imagens e o real. Mas percebe-se a realidade diretamente, sem imagens?

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