Favela
Meio-dia
O morro coxo cochila
O sol resvala dezagarzinho pela rua
torcida como uma costela
Aquela casa de janelas com dor-de-dente
amarrou um coqueiro do lado
Um pé de meia faz exercício no arame
Vizinha da frente grita no quintal:
- João! Ó João!
Bananeira botou as tetas do lado de fora
Mamoeiros estão de papo inchado
Negra acocorou-se a um canto do terreiro
Pôs as galinhas em escândalo
Lá embaixo
passa um trem de subúrbio riscando fumaça
À porta da venda
negro bocejou como túnel
(Raul Bopp)
O morro, a cavaleiro da cidade, cujas luzes brilham ao longe. Platô da terra com casario ao fundo, junto ao barranco, defendido, à esquerda, por pequena amurada de pedra, em semi-círculo, da qual desce um lance de degraus. Noite de lua, estática, perfeita. No barraco de Orfeu, ao centro, bruxuleiam lamparinas. Ao levantar o pano, a cena é deserta. Depois de um prolongado silêncio, começa-se a ouvir, distante, o som de um violão plangendo uma valsa que pouco a pouco se aproxima, num tocar divino, simples e direto como uma fala de amor. Surge o Corifeu.
(Orfeu da Conceição - Vinicius de Moraes)
(Cidade de Deus - Fernando Meirelles)
Outros tempos, sensibilidades diversas. Há distância entre as imagens e o real. Mas percebe-se a realidade diretamente, sem imagens?
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