domingo, 29 de dezembro de 2002

A liberdade do diálogo está-se perdendo. [...] ela é agora substituída pela pergunta sobre o preço dos sapatos ou de seu guarda-chuva. [...] É como se se estivesse aprisionado em um teatro e se fosse obrigado a seguir peça que está no palco, queira-se ou não, obrigado a fazer dela sempre de novo, queira-se ou não, objeto do pensamento e da fala”: (Walter Benjamin)


É isto o que me espanta! Perdemos a capacidade de nos comunicar. É isto que faz das filas costumazes do fim-de-ano insuportáveis. Ficamos lá, parados, humanos atrás de humanos, à espera, como bois, do fim registrado no nosso abate pela moça do caixa. E, como bois, ruminamos o capim de nossas próprias cismas. Ficamos ali, alheios, a cismar. E, se a alguém escapa uma palavra, e esta palavra a nós se dirige, pensamos: Que saco!; ou Humm! Pois consideramos, e muitas das vezes constatamos, que tal palavra ou era da raça inquieta das ponderações mau-humoradas e das reclamações pontuadas, ou era da estirpe de um flerte. Estranhamos mesmo é quando a dita palavra assume a forma de um comentário, casual, que se esboça para dar início a uma amistosa conversa. Jogar conversa fora! ... para passar o tempo. – diria-se antigamente. Perda de tempo! – bufamos hoje. Ser amistoso, companheiro, simpático, é vergonhoso. Já foi condição de vida, quando a vida ainda se prendia e se fazia ao largo da convivência e interdependência comunitária. Já foi vergonhoso, quando os malandros de outrora diziam ser independentes e astutos o suficiente para viver sem depender de ninguém, mesmo quando viviam às custas daquele bom e velho amigo, ou de um desavisado “cliente”. Mas nunca tanto desprezo foi destinado a estas palavras como hoje - a era da comunicação. Acostumamo-nos a este ritual cênico da mínima palavra, a esta etiqueta social (a etiqueta do preço), sem a questionar. O rádio e a televisão já uniram pessoas – mesmo que tal união resultasse apenas em comentários – e que entusiásticos e plenos de vida e certezas eram – sobre a novela e o jogo de futebol. E, mesmo assim, a tv e o rádio continuam alvo da crítica apocalíptica que neles vê apenas a desagregação dos valores e das famílias. E a internet, essa grande praia onde muitos se banham e surfam sem nunca se ver? Esta pretendia aproximar as pessoas, educá-las, informá-las: a maior, mais rápida e mais eficaz rede de comunicações. O resultado: o nascimento da era da maior solidão, do mais profundo isolamento, da tele-pizza e do amor eletrônico. O problema, dizem, é que tal comunicação não é interpessoal, mas somente entre máquinas se faz. Balela! O problema não está nos meios de comunicação – embora muitas de suas empresas nos alimentem do desejo de jogar tal boliche solitário -, ou nos aparatos eletrônicos que des-facilitam a vida moderna. O problema, e a solução, somos nós! Nós é que escolhemos como agir; se nos deixamos levar o não. Nós é que decidimos se, por virtude ou ideologia, podemos ou não mudar nossos atos. Foi pensando nisso que comecei a escrever este blog, tentando alcançar um misto da expressão de minhas mais pessoais angústias com divagações sobre assuntos de interesse coletivo. E, para minha surpresa, eu não era um único ser que, perdido na rede, lançava sinais ao espaço em busca de vida. Neste fim de ano, quando o trabalho me esgotava, e as festas pouco me reconfortavam com a esperança de renovação, fui resgatado por mensagens de saudades, apoio e consideração enviadas por aqueles virtuosos amigos – alguns virtuais até – que criei e que mantive através desta página. Obrigado! E feliz ano novo...

PS: Este texto baixou em mim hoje e, mesmo que a isto não visasse, tem o sabor piegas das mensagens de fim de ano. Desculpem-me, mas foi inevitável...

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