domingo, 6 de abril de 2003



Quando o crime acontece
como a chuva que cai



Como alguém que chega ao balcão com uma carta importante após o
horário de atendimento: o balcão está fechado. Como alguém que quer
prevenir a cidade contra uma inundação, mas fala uma outra língua: ele
não é compreendido. Como um mendigo que bate pela quinta vez numa
porta onde já recebeu algo quatro vezes: pela quinta vez tem fome.
Como alguém cujo sangue flui de uma ferida e que espera pelo médico:
seu sangue continua caindo.


Assim chegamos e relatamos que se cometem crimes contra nós.


Quando pela primeira vez foi relatado que nossos amigos estavam sendo
mortos, houve um grito de horror. Centenas foram mortos então. Mas
quando milhares foram mortos e a matança era sem fim, o silêncio tomou
conta de tudo.


Quando o crime acontece como a chuva que cai, ninguém mais grita
“alto!”.


Quando as maldades se multiplicam, tornam-se invisíveis.
Quando os sofrimentos se tornam insuportáveis, não se ouvem mais os
gritos.
Também os gritos caem como a chuva de verão.


(Bertolt Brecht)

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