terça-feira, 3 de setembro de 2002

Post-Mortem

Levanto do meu leito de noturno descanso. E conto a (des)matéria de minha pós-vida. Sábado. Dia da criação. Por macabro descuido, ergo-me demasiado cedo do leito onde jazia. Aproveito o momento para entreter-me com Os outros – filme bom, embora previsível para quem o vê do lado de cá. Assim, começou o dia. Nublado e frio. E, à noite, antes de recolher-me, elevo meu espírito com uma boa leitura.

LIVRO TERCEIRO DOS FANSTASIAS DE GASPAR DA NOITE
A Noite e suas Ilusões

II

Scarbó


Deus, meu, concede-me na hora da morte, as súplicas de um monge, uma mortalha de pano, um ataúde de pinho e em ligar seco. - As Ladainhas do Senhor Marechal

Morras absolvido ou condenado – murmurava Scarbó esta noite em meu ouvido –, e terás por mortalha uma teia de aranha, e já me encarregarei de amortalhar a aranha contigo.
Com os olhos vermelhos de tanto chorar, respondi: “Dá-me ao menos por mortalha uma folha de álamo, que me traga o hálito do lago.”
- Não – respondeu sardônico o anão –: serás pasto do escaravelho que todas as tardes sai a caçar mosquitos deslumbrados pelo sol poente.
- Preferes, pois – repliquei sem deixar de chorar –; preferes que uma tarântula com tromba de elefante me sorva?
- Bem, consola-te – acrescentou –. Terás por mortalha as tiras cravejadas de ouro de uma pele de serpente, nas quais te envolverei como uma múmia.
“E da tenebrosa cripta de São Benigno, onde te deixo de pé contra a parede, poderás ouvir à vontade como choram as crianças que estão no limbo.”.

(Gaspar de la nuit - Aloysius Bertrand – 1842)


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